patchouli azul

Eu nunca fui a preferida dela. Eu dizia até que ela não gostava de mim. Mas ela gostava sim, eu sempre soube que ela gostava.
Ela gostava muito de escrever e gostava muito dos livros espalhados pela casa. Gostava tanto que não gostava de me emprestar.
Ela dizia que gostava, que tudo que era meu era dela, mas era mentira. Ela não gostava de me emprestar os livros.
Eu pegava mesmo assim. E ela vinha e lavava de volta. Ela não sabia passar perfume. Exagerava no patchouli. Ela roubava fotos e eu fingia que não via.
Ela dizia que não acreditava em Deus, mas acreditava. Como eu.
Ela costurava pra mim em azul ou verde pra combinar com meus olhos. E eu queria tanto o rosa que ela sempre fazia pra Pat.
Antes de sair de casa ela trancou as portas. E fora de casa, não queria a chave longe da mão dela.
Fico com a chave, com os textos, com o azul e o verde. E com o cheiro de patchouli, que só hoje, eu entendi.

A porta da casa

Faz um tempo que eu aprendi a ter casa. A ter uma vida onde as xícaras se quebram e você sente como as mães sentem quando alguma coisa da casa se quebra. Aprendi a repor xícaras.
Aprendi a pagar contas, a tratar com a diarista, aprendi que os ralos precisam de proteção. Aprendi que baratas devem ser trucidadas sem medo, logo que avistadas.
Fiz análise duas vezes por semana, chorei.
Trabalhei mais do que devia, muitas horas por dia. Fiz amigos, um monte deles.
Aprendi a chegar em casa sozinha, a tomar meu banho, vestir um pijama de flanela xadrez. Aprendi que as vezes basta um sabonete de mel pra confortar o coração.

Aprendi que com o tempo tudo passa. E aprendi que pra ter casa, a gente tem que lembrar de trancar a porta.

Eu não escrevo, tu não escreves, ela não escreve. Nós não escrevemos. Vos não escreveis. Eles não escrevem.

Eu e a garota, Velma, Mary W., Isa.

Todas inertes.

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