Carta aberta:
Excelentíssima senhora J. K. Rowling.
Antes de começar essa carta, preciso informá-la: não li Harry Potter. Não li nem o livro um, nem o dois, nem o terceiro e nem nenhum dos outros. Claro que tem exemplares na minha casa, e confesso que nem é por implicância, é mais desinteresse mesmo. Tipo, o livro ta lá, uma hora dessas eu até podia escolhê-lo no meio dos outros. Cheguei a pensar em comprar os exemplares em inglês, pra treinar, não perder vocabulário, essas coisas. Mas acabei escolhendo os do Nick Hornby, muito legais, a senhora entende, né?
Bem, voltando ao Harry, eu levei a minha prima pra assistir o primeiro filme, e achei até bem engraçadinho. Tentei alugar o segundo em DVD, mas acabei dormindo naquela parte do carro que voa, chatérrima. Não me interessei pelos outros. Sei pela imprensa quando são lançados, esbarro em garotas de treze anos vestindo capas pelos corredores da Fnac. Tipo, eu até que não me incomodo com o fato de Harry Potter existir. Fico feliz que as pessoas fiquem felizes ao ler suas aventuras junto com a Hermione e o menino ruivinho que eu não lembro o nome, mas que parece bem legal.
Acontece que acabo de ficar sabendo de uma coisa e isso muito me preocupa. Como assim Harry vai morrer no próximo livro? Tipo, eu acreditava na senhora enquanto pessoa que só ganhava dinheiro como conseqüência pela boa ação de rechear o imaginário infantil (e, bem, alguns nem tão infantis assim) com histórias maravilhosas sobre um mundo de mágicas, feitiços e amizade verdadeira sobrepondo obstáculos. Pensava, essa senhora é legal, ela escreve bem, pensa com carinho em detalhes e aventuras e diverte criancinhas. Mas qual não foi a minha surpresa ao ver que o livro que está pra ser lançado, e que será o último da série, o oitavo, o nono, nem sei, vai matar o bruxinho com cicatriz na testa.
Sinto-me na obrigação de orientá-la, não como fã, mas como alguém que ama contos de fadas e histórias ditas infantis acima de muita coisa. Eu cresci com um livro de capa dura com todos, repito, TODOS, caixa alta, os Contos de Grimm embaixo do braço. Lia uma história por dia, duas. Explicava que a Madrasta tentou matar a Branca de Neve não uma, mas três vezes, e que a maçã foi apenas a tentativa que deu certo. Desfiava em detalhes as passagens onde as irmãs más da Cinderella decepam dedos do pé e partes do calcanhar para colocar seus pés no sapatinho de cristal. Mas NUNCA, em momento algum, os irmãos Grimm mataram uma princesa. Elas sempre viviam felizes para sempre, aprendiam com seus erros e encontravam os príncipes. O próprio Rumpelstiltskin só morreu porque se rasgou ao meio, porque ficou puto da princesa acertar o nome dele. Um suicídio, por assim dizer. E mesmo nesse momento, hum, dramático, os irmãos queridos Grimm arrumaram um jeito de fazer a morte ficar engraçadinha, já que a princesa ia ficar feliz para sempre.
Mas eu queria entender de onde foi que a senhora tirou a idéia insana de que matar o pobre Harry, já tão sofrido, órfão, com tios malvados e que finalmente está “se encontrando” na vida, pode ser legal. E as criancinhas, como ficam?
Eu sei que você, J.K., vai vir com aquela clássica desculpa de que é importante ensinar sobre morte and stuff aos pequenos. Que é superimportante aprender a lidar com perdas. Mas isso, dona Rowling, serve pra quando morre o vovô, a vovó, que ficaram velhinhos e foram morar lá no céu junto com o senhor Disus. Tudo bem. E, caso a senhora ainda não tenha notado, a parte da explicação cabe aos livros de auto-ajuda para pais. Nenhuma história infantil explica às crianças como lidar com o amiguinho que morreu porque fez uma travessura, ou ficou doente. Crianças não devem ser preparadas para a morte de outras crianças. Isso vai contra o natural, sei lá, aposto que um psicólogo vai saber te explicar isso melhor que eu. Deixa os pobrezinhos acreditando que o Harry existe, e que vai crescer, e que é feliz, ainda que não tenha mais livros continuando essa história. Como assim matar o Harry, dona escritora? Tudo bem que a história é sua, mas isso não é coisa que se faça, não senhora.
Os irmãos Grimm deixaram as princesas serem felizes para sempre, não deixaram? O Lewis Carrol botou a Alice nas maiores enrascadas, mas me diz se a rainha de copas cortou a cabeça dela no final, hein? Me diz? O Mowgli voltou para a cidade. Tistu, o menino do dedo verde também transformou Mirapólvora em Miraflores, e viveu feliz. A Rapunzel foi feliz, o Nemo foi feliz, Lilo e Stitch, felizes. Pegou?
Então, seja coerente com aquela senhora que se solidarizou com os pais de Madeleine ainda outro dia, e deixe o pobre Harry feliz, e vivo. Não tem sentido ser legal com os filhos desaparecidos dos outros e usar o seu próprio de mártir.
Sinceramente,
Madame Ç.
10 Comments:
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A J.K. Rowling era uma criança estranha que escrevia livros sobre coelhinhos enquanto as outras criaças pulavam corda e brincavam de casinha e tal, e passou bastante necessidade antes de ser uma mega-master-blaster- escritora, então acho que a parte 'felizes para sempre' dela se foi junto com as dívidas de apartamento xexelentos.
Mas não a estou defendendo. Só acho que sua carta, além de um pedido, deveria resumir-se a também um alerta. Porque, se ela matar o Harry, ela vai ser linxada, esquartejada e pendurada nas ruas de Londres por fãs revoltados.
E eu vou estar entre eles.
Atenciosamente,
estagiária.
Não se iludam... Harry Potter é na verdade repleto de simbolos que na verdade tem como objetivo imputar de maneira subliminar a maldade na cabeça das crianças.
Juro por deus. :o)
disus fez fama com esse tipo de gracinha.
O primeiro a usar o "saída pela direita" quando está debaixo de pau e conseguir converter isso em vitória.
Em tempo: esse fim de semana fui chamado de "maluco" por um evangélico durante uma tradicional discussão "religião vs ateísmo" Depois o rapaz desculpou-se devidamente, mas aí já era tarde.
E como tudo o que é ruim pode ser piorado, vejam só. Advinhem de quem ele era namorado? Um chance apenas.